Além de adotar a ortodoxia neoliberal, que manda sempre tirar dos
trabalhadores para garantir o lucro do capital, a presidente incorporou
de vez a linguagem cínica e empolada da tucanagem.
Na primeira reunião ministerial do novo governo, dia 27 de janeiro, a
presidente Dilma Rousseff fez questão de contestar tudo aquilo que boa
parte da sociedade, a imprensa, as oposições, os sindicatos de
trabalhadores e até mesmo integrantes do PT andam criticando na aurora
de seu segundo mandato. Para ela, todas as medidas econômicas de agora
estão fiéis ao programa da campanha eleitoral, são simples ações
“corretivas”, e não atingem os direitos dos trabalhadores, que são
“intocáveis”; o que está na mídia e na boca do povo não passam de
boataria e versão contrária ao governo; trata-se tão somente de uma
batalha no campo da comunicação social.
Levadas ao pé da letra, as considerações da presidente não apenas
contrariam e falseiam a veracidade dos fatos, subestimam a inteligência
dos brasileiros, como também negam as análises feitas por entidades,
lideranças e personalidades de diferentes posições políticas, inclusive
as que integram a própria base de sustentação do governo. As Medidas
Provisórias 664 e 665, de 30 de dezembro de 2014, são reais, não fazem
parte do delírio coletivo ou de bombardeio vazio da oposição. Da mesma
forma, aumentos de juros, combustíveis, impostos e tarifas públicas não
são alucinações populares, mas fatos concretos que interferem
diretamente na vida das pessoas, em especial dos trabalhadores.
Do que tratam essas MPs? A 665 muda as regras do seguro-desemprego,
do abono salarial e do seguro-defeso (pago ao pescador artesanal). Pela
regra atual, tem o 1º acesso ao seguro-desemprego todo trabalhador
dispensado após seis meses contínuos de trabalho. A nova regra, prevista
para entrar em vigor em 1º de março, exige que para ter o 1º acesso ao
seguro-desemprego o trabalhador tenha pelo menos 18 meses de trabalho
nos últimos 24 meses anteriores à dispensa. Pequena “correção” Dona
Dilma?
Corte no seguro-desemprego
De acordo com o Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos –, um teste de aplicação da nova regra sobre a
base de trabalhadores que requereram o benefício no ano de 2013 (dados
disponíveis nos órgãos governamentais), demonstrou que deixariam de ter
direito ao seguro-desemprego aproximadamente 8 (oito) milhões de
trabalhadores, equivalente a 64,4% dos assalariados desligados naquele
ano. Isso, com a inclusão dos 3,2 milhões de trabalhadores dispensados
sem justa causa, em 2013, e que não tiveram acesso ao seguro-desemprego
porque tinham menos de seis meses de emprego. Ou seja, a MP do governo
restringe o direito ao benefício a um número reduzido de trabalhadores, o
que pode ser uma tragédia num país em que a rotatividade da mão de obra
é altíssima.
O estudo do Dieese deixa claro que o corte contido na MP retira dos
trabalhadores mais de 2/3 aplicados no seguro-desemprego:
“Considerando-se que, segundo dados de 2012, o valor médio real da
parcela do seguro-desemprego para beneficiários com menos de 18 meses de
permanência no emprego foi de R$ 793, e que, em média, foram recebidas
aproximadamente quatro parcelas, o valor estimado da economia de
recursos com a exclusão dos 4,8 milhões potenciais beneficiários do
seguro-desemprego, segundo a nova regra, seria de R$ 14,8 bilhões.
Sabendo-se que, em 2012, o montante de gasto com seguro-desemprego foi
de R$ 21,6 bilhões, conclui-se que o impacto estimado das novas regras
sobre o programa Seguro-Desemprego é bastante significativo”.
Corte no abono salarial
Sobre o abono salarial, pela regra vigente até 30 de dezembro de 2014
o benefício era pago “aos trabalhadores que mantiveram vínculo formal
por um mês no ano anterior ao do pagamento”. Pela MP 665, o benefício
passa a ser pago “aos trabalhadores que mantiveram vínculo formal por no
mínimo 180 dias ininterruptos no ano anterior ao do pagamento”. E, além
disso, o valor do benefício, que era de um salário mínimo
“independentemente do número de meses trabalhados”, passa a ser
proporcional aos meses trabalhados, variando de meio a um salário
mínimo.
A nova regra, segundo o Dieese, exclui desse direito constitucional
cerca de 9,9 milhões de trabalhadores, sem contar que os demais
receberão valores inferiores ao que tem sido pago anualmente. O governo
estima que a limitação do direito ao abono salarial representará uma
economia de R$8,45 bilhões, “praticamente a metade do gasto atual”. Para
os analistas do Dieese, “a redução dos gastos com o Abono Salarial terá
impactos sobre a população mais vulnerável, que é a mais afetada por
algumas das características mais perversas do mercado do trabalho
brasileiro, como a rotatividade elevada e baixos salários”.
Corte na pensão por morte
A MP 664, também de 30 de dezembro de 2014, é a prova viva de que o
saco de maldades do atual governo, produzido no porre da ortodoxia
neoliberal, contempla crueldades semelhantes a do “fator previdenciário”
de FHC. Se o governo tucano conseguiu estender o tempo de trabalho e
reduzir o valor do benefício para o direito de aposentadoria, o governo
Dilma-PT ataca agora, duramente, dois direitos na ponta mais frágil da
vida dos trabalhadores: a pensão por morte e o auxílio-doença.
Na pensão por morte, a nova regra exige carência de 24 contribuições
previdenciárias e pelo menos dois anos de casamento para que a família
do trabalhador falecido receba o benefício – exigências que não existiam
na regra anterior. Além disso, o valor da pensão, que era de 100% do
salário do falecido, passou a ser de 50%, com acréscimo de 10% por
dependente até o máximo dos 100%. Ou seja, antes a viúva e/ou
companheira do trabalhador recebia 100% da pensão, agora só vai receber
50%, isso somente se o falecido tiver idade superior a 44 anos. Simples
“correção” Dona Dilma?
O estudo do Dieese não chega a analisar o impacto econômico dessa
medida (o que o governo “economiza” e o que deixa de ser transferido
para os trabalhadores e seus dependentes) por absoluta falta de dados
disponíveis nos órgãos governamentais. O que se sabe é que pouco mais de
57% das pensões pagas são de um salário mínimo, e que em 2013 o Estado
pagou um total de 7,1 milhão de pensões, as quais somaram um total de
R$76,1 bilhões, o que representa uma média de R$890,00 por mês para cada
beneficiário.
Corte no auxílio-doença
Prevista para vigorar a partir de 1º de março, a MP 664 impõe novas
exigências para a concessão do auxílio-doença aos trabalhadores, com
mudanças no acesso e nos valores do benefício. Parece irrelevante, mas
pela nova regra, o auxílio passa a ser pago somente após 30 dias de
afastamento do trabalho, e não mais depois de 15 dias de afastamento
médico. O valor não é mais o salário vigente, mas a média das últimas 12
contribuições. E, além disso, a perícia pode ser realizada por empresas
privadas – e não apenas pelo INSS.
O Dieese não conseguiu dados para estabelecer o impacto dessas
medidas no conjunto dos trabalhadores, mas sabe que em 2013 o
auxílio-doença beneficiou 182.030 trabalhadores, o gasto foi de R$2,6
bilhões, o que deu uma média mensal de R$1.100,00 por segurado. A
mudança das regras tende a inibir o acesso ao direito, criar
dificuldades e transferir para o setor privado, geralmente contaminado
pelo lucro e pelas relações entre empresas, a função de periciar o
trabalhador para a concessão do direito. O Estado terceiriza uma tarefa
que deveria ser exclusiva do serviço público.
O governo estima que as “ações corretivas” contempladas nas MPs 664 e
665 vão proporcionar uma economia de R$18 bilhões para os cofres
públicos, com o argumento de que são necessárias ao “equilíbrio fiscal”
(receitas e despesas do orçamento da União), já que as contas de 2014
fecharam com déficit superior a R$15 bilhões e aumento da dívida pública
bruta, que pulou para 63,4% do PIB e consumiu, no ano passado, a
bagatela de R$251,1 bilhões somente de pagamento de juros.
Em síntese, o que o modelo de austeridade do novo Governo Dilma faz é
retirar parte do dinheiro público pulverizado em direitos sociais de
milhões de trabalhadores e transferir essa coleta para uma minoria de
banqueiros, financistas e agiotas, que concentram renda e riqueza via
juros da dívida pública. Juntos, os benefícios cortados dos
trabalhadores não representam nem a décima parte do que o Estado paga de
juros. Mas, com certeza essas “correções” vão causar muito sofrimento
aos que se encontram na parte inferior da pirâmide social. Grande
tucanagem Dona Dilma!
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.
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