terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A história da Transamazônica: o sonho ufanista que se transformou em pesadelo ambiental


Marco zero da Transamazônica, em Cabedelo, no litoral paraibano

No final da década de 60 e início da década de 70 o Brasil vivia uma fase de crescimento como nunca antes fora vista no país. Sob o comando do General Médici o governo militar mostrava uma face ambígua. Enquanto as liberdades individuais eram cada menos respeitadas, a economia, impulsionada pelo crédito internacional fácil, crescia acima de 10% ao ano, no que hoje poderia ser chamado de um "crescimento chinês".

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O governo aproveitava a onda de otimismo econômico e incutia na população a ideia do Brasil como uma grande potência, mas era claro para quem tivesse um pouco mais de senso crítico que a riqueza produzida pelo crescimento do país não era repartida com a população, e a desigualdade social apenas aumentava. 


Delfim Netto, o "super ministro"
Para ele, o país precisava investir e crescer. A distribuição de renda seria um efeito secundário

O então "Super-Ministro" Delfim Neto justificava este paradoxo declarando em várias ocasiões que "antes de repartir o bolo era preciso aumentá-lo".

Emílio Garrastazu Médici
O presidente que "inventou" a Transamazônica

Embalado por esta onda ufanista, o então presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) lançou um projeto faraônico que visava a integração da Amazônia ao resto do país, ou como o próprio governo alardeava, "um projeto da terra sem homens para os homens sem terra". 

Cartazes e Slogans ufanistas eram a tônica no governo Médici
Enquanto isto, pessoas eram torturadas e mortas nos porões dos orgãos de repressão

Na equivocada visão dos militares, uma estrada que cortasse a selva amazônica ligando-a ao nordeste do país traria para suas margens milhões de colonos que chegariam em busca de terras, fugindo das secas nordestinas ou das caras propriedades do sul do país, além de evitar uma possível internacionalização da amazônia, que desde aquela época já era vista como uma ameaça à soberania nacional. Nascia ali o Projeto da BR230, que ficaria mundialmente famoso nas décadas seguintes como "Rodovia Transamazônica", um sonho que transformou-se rapidamente em pesadelo.

Mapa da Transamazônica
Cortando o Brasil na Transversal, da Paraíba ao Amazonas


A ideia inicial era construir uma rodovia transversal com mais de 8 mil quilômetros de extensão, integrando o porto paraibano de Cabedelo no Oceano Atlântico ao Peru e Equador, atravessando 7 estados brasileiros (Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, o atual Tocantins, Pará e Amazonas). Posteriormente houve modificações que diminuíram seu percurso para menos de 5 mil km, até a cidade amazonense de Benjamin Constant, e finalmente houve mais uma redução, e o traçado final da Rodovia ficou definido até a cidade amazonense de Lábrea, depois de percorrer 4.223 km.

Médici na inauguração das obras em Outubro de 1970, em Altamira, no Pará

Em 10 de outubro de 1970 foi inaugurado pelo próprio Presidente Médici, na cidade paraense de Altamira, o marco inicial das obras da rodovia que segundo o governo era a "última grande aventura do século". Curiosamente, neste evento foi derrubada uma castanheira secular com mais de 50 metros de altura, e no que restou de seu tronco foi colocada uma placa comemorativa, que dizia: 


A placa comemorativa na castanheira de 50 metros derrubada na presença de Médici
Até hoje ficou conhecida como "Pau do Presidente"


"Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o Sr. Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista e colonização deste gigantesco mundo verde"

Hoje, é inaceitável sequer pensar que a derrubada de uma árvore deste porte pudesse ser comemorada, mas isto dá uma boa ideia de qual era o pensamento da ditadura militar, para quem a exuberante floresta não passava de um obstáculo que precisava ser superado.


Uma rara foto do épico trabalho de construção da Transamazônica no início dos anos 70


Obra da Transamazônica em Altamira - 1972

Mais de mil trabalhadores enfrentariam a difícil floresta tropical, com seu calor, chuvas repentinas, inundações, doenças tropicais, animais selvagens e todas as dificuldades logísticas que uma obra deste porte, ficando incomunicáveis durante meses, já que os canteiros de obras só eram alcançados por pequenos aviões em pistas improvisadas. A aventura foi dada por completa em 1974, com pouco mais de 1/4 do traçado inicial realizado, mas a imensa ferida criada no maior patrimônio natural da humanidade permanece aberta até hoje.

Trecho da BR230, a Transamazônica


Em pleno século XXI, depois de alguns períodos em que as obras continuaram, mais de 2.000 km da rodovia ainda não são pavimentados, apesar das promessas que se sucedem a cada governo. Isto faz com que muitos trechos fiquem impraticáveis durante a estação das chuvas, isolando algumas cidades durante alguns meses do ano. 


Atoleiro em trecho da Transamazônica durante a época das chuvas na região


Exceto por trechos duplicados no Estado da Paraíba e entre algumas cidades de maior população, a situação da rodovia é lastimável.

Trecho duplicado da Transamazônica entre Cabedelo e Campina Grande, na Paraíba
Principal rodovia do estado

A floresta continua "cobrando pedágio" daqueles incautos que achavam que poderiam vencê-la facilmente, mas ao longo das décadas ela vem perdendo a batalha, pois o ser humano é insistente quando se trata de destruir a natureza. 


Vista noturna de Altamira, no Pará.
Em 1970 tinha 3.000 habitantes. Hoje tem mais de 100.000


Altamira, que era um povoado com 3 mil habitantes durante aquela cerimônia de 1970 hoje tem mais de 100 mil, e o traçado da BR230 pode ser visto nas fotos de satélite da Amazônia, onde a destruição da floresta se amplia a partir do leito da rodovia, num formato de "espinha de peixe".


Foto de Satélite da Transamazônica
A destruição se espalha a partir do leito da Rodovia


A ditadura militar e suas ideias delirantes há muito já não fazem parte do dia-a-dia dos brasileiros, mas as ameaças permanecem agora sob o nome de "expansão da fronteira agrícola", onde latifundiários sem escrúpulos lutam para desmatar a floresta em prol de monoculturas. Infelizmente, esta luta está longe de acabar...



"Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta"
Chico Mendes

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