Conheci Hugo Chávez em 2008. Ele veio a
Belém para um encontro que discutiu projetos sociais de cooperação entre
os dois países (no que será que deu isso?) e a construção de um
gasoduto interligando Pará e Amazonas, opção apontada por ele como ideal
para gerar energia eficiente e de baixo custo.
A demora durante agenda anterior no Maranhão
provocou mais de cinco horas de atraso no desembarque em Belém e a mim,
então assessora de imprensa do Hangar Centro de Convenções, coube
“fazer sala” aos jornalistas de todo o país, cansados da espera.
Ao cair da noite Chávez adentrou no
auditório e, depois de tanta demora, todos pensaram que ele seria
econômico nas palavras. Pura ilusão. Das mais de 3h de um cansativo
evento ele garantiu 1h toda para si, proferindo um de seus longos e
caudalosos discursos cheios de palavras de ordem que iam motivando mais e
mais políticos de esquerda e representantes de movimentos sociais, que
tinham nele um exemplo de nacionalismo e de luta pelos menos
favorecidos.
Ao final, ao invés de exaustos, estávamos
todos convencidos de que ele era um ídolo mesmo para quem não
compartilhava aquelas causas. Esta é a mesma sensação de convencimento
que se tem ao assistir “Meu Amigo Hugo”, documentário do diretor
norte-americano Oliver Stone que será exibido hoje às 17h, no Cine
Olympia (av. Presidente Vargas), durante a “Semana Mundial de
Solidariedade à Revolução Bolivariana da Venezuela”.
A data não foi escolhida ao acaso: hoje
completa-se dois anos da morte do mais popular presidente Venezuelano.No
documentário, Stone mescla imagens captadas na intimidade de Chávez e
depoimentos de amigos pós-morte. Revela, mesmo que de forma delicada,
que tudo ali era milimetricamente calculado: os discursos, de improviso
não tinham nada e tudo era estudado e planejado previamente.
Como bem diz José Vicente Rangel,
vice-presidente venezuelano de 2002 a 2007, o poder de Chávez “não
estava nos tanques, submarinos nem nas tropas, mas nas palavras”.
Na análise da presidente argentina Cristina
Kirchner, a imagem militarizada sempre tão associada a governos pouco
democráticos coube muito bem a ele. “O Hugo recuperou a imagem de
militares comprometidos com o povo”, elogia diplomaticamente.
Stone também tenta mostrar símbolos de
simplicidade no cotidiano do estadista. Revela, por exemplo, que ele
consumia até 40 xícaras de café por dia e que sempre viajava com cerca
de 40 livros, por mais curto que fosse o trajeto.Claramente defensor da
causa chavista, Oliver Stone aparece ele mesmo inúmeras vezes fazendo a
interlocução com seu personagem central e coadjuvantes.
Também critica o modo americano de tentar
desconstruí-lo junto à opinião pública por ter um governo personalista.
No doc, Chávez se admite personalista, com um plano de pátria traçado
para 100 anos, mas diz que o povo queria que as coisas fossem assim.
“Sou um antiditador. Estarei aqui pelo tempo
que as circunstâncias indiquem. (...) Eu creio que nunca me cansarei de
ser Chávez, porque ser Chávez me permite , como diz o poeta,
‘reivindicar-me a vida’”.
Stone conviveu com ele a fundo. Eu trabalhei
com Chávez apenas em uma segunda oportunidade, durante o Fórum Social
Mundial realizado em Belém em 2009, mas, ainda do primeiro encontro,
pude gozar de um pouco mais de proximidade com o presidente durante um
jantar, no qual ele abriu mão do prato elaborado por sua equipe (para
garantir que ele não seria envenenado) e se esbaldou com peixes
regionais, caranguejos e camarões.
Era simpático, populista como ele só,
contudo um homem que merecia respeito pelos ideais da bandeira que
levantava, concordássemos com essa política ou não. E acho que foi isso
que Stone deixou de provocação com a mais venezuelana de suas produções.
(Diário do Pará)
Nenhum comentário:
Postar um comentário