São Paulo – Era para ser apenas mais uma fase do devido processo legal. Mas o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro, de Curitiba, em uma das ações em que ele é réu na Operação Lava Jato,
ganhou nos últimos dias ares de embate com direito a vídeo do
magistrado nas redes sociais e apelações em instâncias superiores da
parte da defesa — até o momento, todas rejeitadas.
No final da
tarde de ontem, veio a última ofensiva dos advogados do petista, que
apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para cancelar a audiência
de hoje. Espera-se que o caso seja analisado ainda na manhã desta
quarta-feira.
A expectativa dos movimentos de apoio ao
ex-presidente é reunir cerca de 50 mil pessoas em Curitiba (PR), onde o
depoimento está marcado para as 14h na sede da Justiça Federal do
Paraná. Desde a manhã desta terça, várias caravanas de militantes
chegavam à cidade – onde um acampamento foi montado nos fundos da
Rodoferroviária de Curitiba. No final da tarde de ontem, a Justiça do
Paraná pediu a reintegração de posse do terreno.
Do lado dos
opositores a Lula, foram agendadas uma série de vigílias na noite de
ontem em apoio a Lava Jato. Mas os líderes desses movimento afirmam que
vão evitar protestos na capital paranaense em respeito ao desejo de
Moro, que foi às redes sociais pedir que grupos de apoio às
investigações não fossem às ruas nesta quarta a fim de evitar
confrontos.
No centro do embate: o triplex no Guarujá e o acervo presidencial
Réu
em três ações penais, Lula deve responder hoje aos questionamentos do
juiz Moro e dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato relacionados
às suspeitas em torno do tríplex no Guarujá e o armazenamento do acervo
presidencial
O que diz o MPF
A suspeita é
de que a OAS repassou o apartamento 164-A do Edifício Solaris de 215
metros quadrados do Edifício Solaris, na Praia das Astúrias, no
Guarujá, para o ex-presidente. Oficialmente, o imóvel ainda pertence à
empreiteira — mas segundo Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, disse em depoimento, o tríplex era de fato de Lula.
Segundo
o MPF, Lula teria recebido propina da ordem de 3,7 milhões de reais em
contratos da OAS com duas refinarias da Petrobras. Parte desse valor,
segundo os procuradores, está relacionada ao caso do tríplex: R$ 1,1
milhão destinados à compra do apartamento, R$ 926 mil para a reforma e o
restante para compra de móveis, eletrodomésticos, transporte e
armazenamento de bens.
Além disso, os procuradores sustentam que a
OAS teeria pagado R$ 1,3 milhão para a empresa Granero guardar itens
que Lula recebeu durante o exercício da presidência, entre 2002 e 2010. O
pedido teria sido feito pelo presidente do Instituto Lula, Paulo
Okamotto, e do próprio ex-presidente da República.
O que diz a defesa
Segundo
os advogados do ex-presidente, de fato, a ex-primeira dama Marisa
Letícia comprou, em 2005, uma cota na Cooperativa Habitacional dos
Bancários de São Paulo (Bancoop), para adquirir um apartamento no
condomínio Solaris. A unidade 141, de 82,5 metros quadrados, teria sido
designada para ela.
Em 2006, Lula, então candidato à reeleição,
declarou ter pagado até aquele momento 47,69 mil reais em uma
“participação” na Bancoop em um “apartamento em construção em Guarujá”.
No total, segundo informações do Instituto Lula, foram investidos 179,6
mil reais na cota da Bancoop – que em 2009 já valiam mais de R$ 209 mil.
Três
anos depois, a cooperativa faliu e repassou o empreendimento para a
OAS. A empreiteira, então, determinou um prazo para que os cooperados
vendessem a cota ou adquirissem o imóvel.
A ex-primeira dama teria
perdido a data limite estipulada pela empresa e perdeu a chance de
adquirir a unidade 141. No entanto, segundo informações do Instituto
Lula, ela ainda poderia optar por outro apartamento.
De acordo com
o instituto, Lula e Marisa teriam visitado o triplex na companhia de
Leo Pinheiro, presidente da OAS. A ex-primeira dama foi vista em outras
ocasiões visitando as obras do apartamento. Em novembro de 2015, Marisa
Letícia desistiu da compra do imóvel.
Já sobre o acervo
presidencial, segundo Okamotto, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro
teria se oferecido para ajudar temporariamente o Instituto Lula a
armazenar os objetos em um espaço que a empresa já alugava na Granero.
De acordo com ele, não houve irregularidade.
Os direitos e deveres de Lula e Moro na audiência de hoje
O
ex-presidente Lula tem o direito de não produzir provas contra si
durante o depoimento de hoje. Portanto, ele poderá ficar calado ou até
mesmo faltar com a verdade. Do lado do juiz Moro, a expectativa (e o
dever) é que ele haja com neutralidade. Para juristas, a menos que
exista base para uma prisão cautelar, é remota a tese de que Lula
terminará o dia atrás das grades – como sugerem alguns.
Mas o tom
do depoimento e as reações do magistrado a eventuais provocações seguem
em suspense. Caberá a ambas as partes o cuidado e a estratégia para que
essa fase não vire mais um capítulo para a história de polarização
política que divide o Brasil nos últimos anos
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