Há quatro anos dava-se início à
campanha do
plebiscito pela
divisão territorial do Pará. De lá
até agora, o assunto como
que morreu tanto nas zonas de
influência de Marabá como
de Santarém, as cidades
que,
em
2011, buscavam o status
de capitais do Oeste e do Sul/Sudeste
paraenses.
Para os estados que contam hoje com mais
representantes na Câmara como São Paulo e Minas Gerais, essa possibilidade de
alteração numérica nos plenários do Legislativo suscita desconfianças quanto à
manutenção de seus tradicionais esquemas de influenciar as demais bancadas em
votações que interessam a paulistas e mineiros.
Para os representantes dos estados mais
desenvolvidos, o eventual surgimento de novas bancadas em Brasília traz o
receio de que isso incentive outras demandas regionalistas. Além do caso de
Tapajós e Carajás, em véspera de plebiscito, existem outras 11 demandas por
autonomia em outras áreas do país – algumas mais adiantadas, outras ainda no
campo das intenções.
Para os defensores da divisão, a autonomia dessas duas
regiões paraenses será o ponto de partida para o desenvolvimento e para a
afirmação regional de suas identidades. Como se sabe, a Amazônia é um imenso
território com mais de 20 milhões de habitantes, onde convivem culturas as mais
diversificadas, com particularidades locais, hábitos e modos de falar
diferenciados.
Belém, a capital paraense, desempenha
historicamente um papel extremamente centralizador. Ali vive uma elite
tradicional, com muitos descendentes de colonizadores portugueses, que
desconhecem o interior da região, olhando mais para a Europa e para os Estados
Unidos do que para dentro do próprio estado.
Os oponentes do movimento pela divisão entendem que
o esforço pela separação se deve à ação do que eles chamam de ‘aventureiros’,
grupos de poder que pretenderiam afirmar-se nacionalmente a partir de suas
posições políticas nos novos estados, onde os processos de manipulação
eleitoral e exercício do poder lhes seriam mais favoráveis do que no âmbito do
Pará atual.
Se observarmos essa demanda separatista interna
pelo ângulo da ciência política ou da sociologia, veremos que se trata de um
claro fenômeno de regionalismo, isto é, de ação política, em determinado
território, com vistas à afirmação de elites localizadas que buscam
diferenciar-se de outros territórios, notadamente daqueles que exercem o poder
hegemônico sobre a região que busca autonomia.
O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), no
livro O poder simbólico, abordou as dificuldades de estudar o conceito de
região em virtude da “confusão dos debates” em torno do que isso de fato
significa. Várias disciplinas se ocupam desse conceito, que se mostra como uma
espécie de síntese de formação social, econômica e histórica dentro de um
espaço específico.
Em meio a discursos os mais diferenciados, os
separatistas buscam, em essência, construir uma estratégia de legitimação de
sua demanda. Desejam dar a conhecer ao país que seu território, ou sua região,
tem especificidades, uma identidade que necessita afirmar-se, e sempre aludem a
um direito historicamente adquirido.
No caso das duas regiões paraenses, há distinções
nas demandas atuais. A luta do Tapajós vem do meado do século 19, após a
criação da província, hoje estado, do Amazonas, desmembrado do antigo
Grão-Pará, no mesmo momento em que se discutia a criação da província do
Paraná, desmembrada do território de São Paulo. Essas duas decisões do
imperador Pedro II produziram acalorados debates no Parlamento imperial, com
prós e contras, mais ou menos como nos dias de hoje em relação ao Carajás e ao
Tapajós. Os que se posicionaram contra as divisões diziam quase a mesma coisa
que os oponentes de hoje: que as novas províncias seriam um pesado ônus ao
Estado brasileiro, que se tratava de interesses eleitoreiros e que só serviriam
para beneficiar as elites locais.
Já a região de Carajás é objeto de uma demanda
recente, iniciada na década de 1980, sob a influência dos investimentos
federais na região sul/sudeste do Pará, em torno do chamado Projeto Grande
Carajás, que atraiu grande número de empresas para aquela região, sobretudo
mineradoras. Mais tarde, surgiu nessa região uma pujante pecuária, a melhor da
Amazônia. Decorreu daí a formação de uma elite relativamente rica, formada por
imigrantes de várias regiões, notadamente do centro-sul do país. Essa elite e a
massa da população imigrante, vinda do Nordeste e do Centro-Oeste, mantêm
fortes laços com seus estados de origem, e Belém pouco significa para os
ocupantes de uma região que cultiva outros hábitos, sem afinidades com a cultura
e as tradições paraenses.
Não será, pois, pacífica a presente luta por
emancipação, haja vista a tradição de centralização do Estado brasileiro. O
Tapajós tem um direito histórico adquirido. Ali as ideias de autonomia fizeram
parte da cultura local por gerações. Há riscos? Sim. Há aventureiros? Sim. E em
que tipo de luta política eles não estão presentes? Um dos produtos dos eternos
aventureiros, dos tantos que existem por este Brasil imenso, foi a alteração do
projeto original de criação do estado do Tapajós, apresentado nos anos 1990 no
Congresso, que agora passou a incluir a região do Xingu.
No aspecto da geografia política regional, se, após
o plebiscito, Tapajós e Carajás se tornarem estados, pouco mudará para vastas
regiões das novas unidades, distantes da atual capital do Pará. As distâncias
físicas das eventuais novas capitais, Santarém e Marabá, em relação a diversas
áreas dos novos estados, serão semelhantes às que existem hoje entre essas
áreas e Belém.
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