Às 23h50 desta segunda-feira o plenário da Câmara dos Deputados
anunciou: o outrora todo-poderoso Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve o mandato
cassado por 450 votos. Somente dez deputados votaram para poupar o
peemedebista. Houve nove abstenções. O resultado põe fim a um processo
que se arrastou na Casa por mais de 300 dias – e ao ambicioso projeto
político do peemedebista, que chegou a almejar a Presidência da
República. Cunha é acusado de embolsar propinas milionárias do petrolão,
de ser correntista oculto de bancos na Suíça e de mentir aos colegas, o
que configura quebra do decoro parlamentar, justamente por esse motivo,
foi cassado. Ele estava afastado das funções há quatro meses por
determinação do STF – que na ocasião indicou inclusive que uma eventual
prisão do peemedebista não estava descartada.
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Cunha vivenciou ao longo das últimas semanas as dores do abandono. Antigos aliados sequer atendiam aos telefonemas do ex-deputado.
O peemedebista dedicou o fim de semana a disparar telefonemas para se
defender da ação por quebra de decoro e pedir clemência. Em muitos
casos, sequer conseguiu ser ouvido. Somente dois parlamentares subiram à
tribuna para defendê-lo nesta segunda. Do plenário, Cunha ouviu toda
sorte de provocações: foi chamado de corrupto, golpista, mentiroso,
chantagista, mafioso e até de psicopata. Virava as costas para os que
discursavam em prol de sua cassação.
Até mesmo PSD e PR, partidos
do chamado Centrão, cuja criação foi patrocinada por Cunha, decidiram
votar pela cassação. A punição também foi apoiada em peso por PT, PSDB,
DEM, PSOL, SD, PPS, PSB, PCdoB, PROS, PHS, Rede, PTdoB e PRTB. Cunha
passou os últimos dias no apartamento funcional em Brasília, longe do
séquito de aliados. Os antigos apoiadores agora se esforçam cada vez
menos na defesa pública do deputado afastado e usam a campanha eleitoral
para se distanciar do caso. O peemedebista, por sua vez, tentava
convencer seus pares a faltar à sessão ou se abster na votação para
evitar a cassação. Não funcionou.
A pressão das ruas contra Cunha e sobre Temer levou o Palácio do Planalto a descartar qualquer possibilidade de ajudar o ex-presidente da Câmara a manter o mandato.
Para o governo, a digital da presidência numa articulação favorável a
Cunha poderia fortalecer os protestos anti-Temer. Ao ser questionado
sobre a votação pela manhã, o presidente Michel Temer afirmou:
“Perguntem ao Rodrigo”, em referência a Rodrigo Maia, presidente da
Câmara dos Deputados. Temer optou por ficar distante das articulações
para tentar salvá-lo e vai assumir os riscos que a perda do mandato do
peemedebista podem significar para o governo.
Agora, os processos
da Operação Lava Jato a que o deputado responde deverão ser deslocados
para a 13ª Vara Federal em Curitiba, sob o comando de Sergio Moro. O
juiz já está à frente das ações a que respondem a mulher e a filha do
agora ex-deputado, Cláudia Cruz e Danielle Dytz. Cunha é detentor de
vastos segredos da República, inclusive do presidente Temer. Se
resolvesse falar o que sabe à Lava Jato, seu depoimento seria
considerado “a maior delação premiada do mundo”. Em março, o STF abriu
processo contra ele por corrupção passiva e lavagem de dinheiro,
tornando-o réu. Ele também responde a quatro inquéritos por suspeita de
embolsar outras propinas milionárias, parte delas decorrente da venda de
medidas provisórias.
Formado em economia, Cunha entrou na vida
pública pelas mãos do tesoureiro da campanha de Fernando Collor à
Presidência, o empresário Paulo César Farias, com quem trabalhou nas
eleições de 1989. Com a vitória de Collor, foi nomeado para presidir a
antiga estatal Telerj, de onde saiu acuado por suspeitas de
irregularidades em licitações. Desde então, desfilou por outras estatais
e escândalos, até que, em 2002, conquistou seu primeiro mandato de
deputado federal.
A ascensão política tem como dínamo o voto
conservador. Baterista amador e fã de rock, Cunha tornou-se evangélico
por sugestão de um antigo aliado político. Passou a pregar no púlpito
contra o aborto e a homossexualidade, como receita sua igreja, enquanto
se delicia na esfera privada com hábitos mundanos, com destaque para a
degustação de vinhos caros. O deputado nunca empunhou a bandeira do
combate à corrupção. Ele só decidiu dar seguimento ao processo de
impeachment de Dilma por seu instinto de sobrevivência.
Investigado
no petrolão, concluiu que, se partisse para cima de uma presidente
impopular, seria poupado pela opinião pública. A aliados, disse que,
como timoneiro do impeachment, contaria com a condescendência da
oposição. A estratégia deu certo, mas só por alguns meses. No início,
tucanos e democratas não se esforçaram pela celeridade do processo.
Fizeram vista grossa em nome de um objetivo maior: destronar o PT. Com o
impeachment encaminhado, Cunha foi abandonado como Dilma – sua cassação
se deu com os votos em massa de PSDB, DEM e até dos que integravam seu
tropa de choque.
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