Reportagem do site UOL Matéria sobre Itaituba
O garimpeiro Ivo Lubrinna de Castro, 69, marca 16 de abril
de 2010 como o dia em que nasceu de novo. Naquele dia, três homens
interessados em explorar ouro no oeste do Pará,
à revelia do ocupante da terra, armaram-lhe uma emboscada na entrada do
garimpo do Piririma e só não consumaram o crime porque se deram conta
de que estariam matando ninguém menos que o presidente da
Amot (Associação dos Mineradores de Ouro do Tocantins).
As armas de grosso calibre que foram apontadas na direção de Ivo Preto,
como é conhecido Lubrinna na região que escolheu para trabalhar há 42
anos, não dispararam, mas nem por isso o garimpo de ouro na região ficou
menos violento. Itaituba (a 1.696 km de Belém), cidade de 98 mil
habitantes que reúne o maior contingente de garimpeiros do Brasil,
registrou 38 homicídios e 41 tentativas de homicídio em 2014, de acordo
com o Sistema de Informações de Indicadores Sociais do Pará. Como
comparação, a taxa de homicídios no Brasil é de 29 para cada 100 mil
habitantes. Nos primeiros nove meses deste ano, foram registradas 41
mortes violentas.
"O ouro traz cobiça. Onde tem ouro, a
violência é uma realidade", afirma o diretor de Polícia do Interior do
Pará, Sílvio Mauês.
A preocupação da polícia é o isolamento de muitas áreas de garimpo no
município de Itaituba. A cidade é a 13ª maior em área territorial do
país e seus 62.041 km² são superiores em extensão a sete Estados
brasileiros – o do Rio de Janeiro, por exemplo, tem 43.780 km². O
acesso, em alguns casos, é feito somente por aviões de pequeno porte,
inacessíveis para a Polícia do Pará. E também a natureza da atividade,
marcada por disputas internas envolvendo áreas de exploração e por um
índice de educação formal baixo, que segundo Mauês "influencia o
comportamento violento".
O ouro traz cobiça. Onde tem ouro, a violência é uma realidade
Silvio Mauês, diretor de Polícia do Interior do Pará
As estatísticas de apreensão de armas ilegais no garimpo são irreais,
reconhece o delegado: 15 em 2014 e nove até setembro de 2015. O consumo
de drogas também "chama a atenção", de acordo com Mauês.
"É uma
atividade (o garimpo) muito desgastante, em que um indivíduo pode passar
semanas, ou meses, enfiado no meio do mato. Temos um histórico de
flagrantes que preocupa bastante, especialmente de óxi e de crack",
afirma.
As quadrilhas de traficantes, que usam a rota do
Tapajós, rio que margeia a cidade, para transportar drogas da Bolívia e
da Colômbia, acabam atuando também no varejo da região, especialmente
pelo pagamento em ouro. Dez gramas do metal podem comprar até 66 gramas
de cocaína, dependendo do grau de pureza. Em 2014 a polícia paraense
contabilizou 38 prisões por tráfico na região.
Garimpo agressivo
A permissão legal para o garimpo no Tapajós foi regulamentada em 1990,
mais de 30 anos depois dos primeiros garimpeiros terem desembarcado no
oeste do Pará. A reserva aurífera do Médio Tapajós já produziu
oficialmente 190 toneladas de ouro desde 1958, segundo o DNPM
(Departamento Nacional de Produção Mineral). Extraoficialmente,
entretanto, a avaliação das autoridades locais é de que tenham sido
retiradas cerca de 800 toneladas da região em quase 60 anos de
atividade. A diferença entre os dois volumes deixou Itaituba de forma
clandestina.
A nova invasão do Tapajós começou em 2011, quando a
cotação do ouro disparou no mercado internacional. De US$ 380 a onça
(que equivale a 31,15 gramas) em Wall Street, o metal passou a ser
comprado a US$ 1.000 em 2002 e bateu em US$ 1.650 há quatro anos. Hoje, a
cotação se estabilizou num patamar de US$ 1.150, o que leva o quilo a
valer US$ 37 mil (cerca de R$ 140 mil, de acordo com a cotação desta
terça-feira (3) da moeda norte-americana). O número de garimpeiros
cresceu no mesmo ritmo: eram cerca de 25 mil há cinco anos, mas hoje já
beiram os 50 mil. Ou 60 mil, de acordo com a fonte da informação. O
Serviço Geológico do Brasil identificou 71 lavras na chamada Província
Mineral do Tapajós.
O problema é que a maioria das lavras é
ilegal, o que aumenta a pressão pela posse da terra e a presença de
"estrangeiros" no negócio – gente que foi extrair madeira ou criar gado
na região e percebeu que o garimpo é uma atividade lucrativa e sem
controle, apesar do risco. E que a mão de obra, além disso, é abundante.
Ivo Preto, assim como outros garimpeiros históricos da região do Médio
Tapajós, está assustado com a agressividade crescente que assola os
garimpos. Nas lavras de Lubrinna, localizadas na bacia do rio do Rato, a
mais de duas horas de distância de Itaituba e onde se chega apenas de
barco ou avião, os invasores já abriram picadas e entraram na terra para
explorar áreas de mineração que ainda estão virgens.
Gente de fora, afirma o garimpeiro, para quem as leis informais do
garimpo não valem mais nada. Lubrinna diz que se "criou" no Médio
Tapajós, onde chegou em 1973, justamente porque respeitou as leis da
região.
A lei informal a que se refere Ivo Preto é simples: o
garimpo é de quem chegar primeiro. E quem se sentir ameaçado tem o
"direito" de resolver a questão do seu jeito, já que a Justiça "é
lenta". Como diz o garimpeiro, "tem que resolver lá [no garimpo], porque
até chegar na Justiça acabou o ouro". A forma de solucionar é revólver e
facão.
"Tem que resolver lá [no garimpo], porque até chegar na Justiça acabou o ouro"
Ivo Lubrinna de Castro, o Ivo Preto, garimpeiro da região
Ivo Lubrinna de Castro, o Ivo Preto, garimpeiro da região
"Nunca se matou por ouro aqui no Tapajós. Nunca. Se morria por puta e
por cachaça, mas não por ouro. Mas agora está surgindo isso daí porque
nego está desrespeitando demais", diz o garimpeiro. Segundo Lubrinna,
antes da nova invasão, ninguém entrava em terra alheia. "O cara dava um
pique num pedaço de pau e ninguém entrava. Agora estão dizendo que as
terras são do governo, estão abrindo picadas e se preparando para
invadir. Se quiserem invadir, vão ter que passar por cima do meu
cadáver."
O ex-deputado federal Dudimar Paxiúba, que denunciou o
garimpo ilegal na Câmara em 2012, não fala mais sobre o assunto e diz
que recebeu ameaças de morte, envolvendo também membros de sua família,
se continuasse a "incomodar" o garimpo. "As pessoas fazem qualquer coisa
por esse metal. Você se cuide, rapaz", disse por telefone.
Fonte: UOL
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